Receber o troco em bala depois de comprar pão e leite na padaria não é algo comum, embora seja ilegal. Na falta de moedas, muitos estabelecimentos comerciais “empurram” o doce à clientela, quando não arredondam a diferença de valores para cima, a exemplo do que fazem profissionais autônomos, como taxistas. O alerta parte dos órgãos de defesa do consumidor do Rio, que notaram ser baixo o número de queixas sobre o tema exatamente por falta de conhecimento de quem vai às compras.
Secretária do Procon Carioca, Solange Amaral explicou que se trata de uma prática abusiva e que fere o Artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor. Ela disse que a obrigação dos comerciantes é devolver o troco em dinheiro, além de arredondar a diferença para baixo, beneficiando o cliente.
“Ninguém vai pagar a passagem de ônibus com bala, portanto, balinha não é troco”, disse, acrescentando que no Rio os órgãos de fiscalização tentam combater a prática com a chamada Lei dos Centavos. Segundo ela, a multa para quem for enquadrado vai de R$ 400 a R$ 7 milhões. “O cálculo varia de microempresas para empresas de grande porte, com base no faturamento”, disse.
Solange frisou que o volume de reclamações no Procon Carioca não é tão significativo quanto poderia ser, justamente porque existe uma crença de que moeda é “coisa de pobre”. Porém, o consumidor não se dá conta de que de centavo em centavo, acaba perdendo o suficiente para sanar uma necessidade imediata para o lar.
PROPAGANDA ENGANOSA
Um advogado especializado em direito do consumidor, ressaltou que quando se anuncia um produto por um preço e na devolução do troco após a compra há diferença nos valores, isto também pode ser considerado propaganda enganosa. “A obrigação de ter moedas suficientes para o troco correto é do estabelecimento comercial e não do consumidor”, frisou.
O advogado acrescentou que ofertar outros produtos para suprir a carência de troco configura venda casada, além de enriquecimento ilícito, de acordo com o Artigo 844 do Código Civil. “O consumidor que se sentir lesado pode fazer uma reclamação no Procon mais próximo. Se após o trâmite administrativo ele ainda se sentir prejudicado, e a prática for reiterada, deve procurar um defensor público ou advogado de confiança”, frisou.
Neste período de fim de ano os órgãos de controle estão à postos nas ruas e centros comerciais, de olho no comércio devido às promoções.
‘JÁ GANHEI TRÊS CAUSAS CONTRA ESTABELECIMENTOS’
A auxiliar de enfermagem Joyce Maria Conceição Pinto, 46, revelou que já ganhou três causas depois de reivindicar seus direitos no Procon. Um deles foi contra uma loja de eletroeletrônicos que vendeu um produto com garantia estendida embutida. Porém, ela confessa que quando o preço é fixado com os tais 99 centavos, é muito difícil pedir o troco. “Mas quando tentam me dar a diferença em bala ou chiclete na padaria ou mercado eu não aceito”, disse.
Operadora de telemarketing, Tamyres Conceição Pinto, 19, afirma que sempre exige o troco, porque, embora seja pouco, é o correto. “A culpa não é nossa se o comércio não tem o troco para os preços que ele estipula”, ressaltou. Ela estava com a mãe Joyce ontem na Rua Uruguaiana, no Centro do Rio.
A psicóloga Márcia Regina de Souza Teixeira, 53, diz considerar péssimo esse tipo de conduta por parte dos comerciantes e autônomos, porém, na opinião dela, muitas vezes requerer o valor não compensa devido ao estresse que gera. “Se eu recorrer ao gerente toda vez que isso acontecer, vou me incomodar demais. A obrigação do troco é deles, mas se fazem de desentendidos”, disse.
PRODUTO DE GRAÇA SE PREÇO FOR DIFERENTE
A partir do dia 15 de janeiro, consumidores do Rio que constatarem diferença entre os preços das prateleiras dos mercados e os dos caixas podem reclamar com gerente e levar o produto de graça. Se a compra for de mais de um item, o primeiro sairá sem custo. Pelos demais, o cliente pagará o menor valor.
O acordo foi assinado ontem pela Defensoria Pública do Rio, órgãos de defesa do consumidor do estado e Associação de Supermercados do Rio (Asserj) e passa a vigorar em toda a região fluminense no ano que vem. A campanha “De Olho no Preço” foi criada para incentivar o cliente a ter mais atenção a disparidades e não ser lesado.
A aposentada Maria da Glória Quintanilha, 72, tomou um susto quando passou um produto no caixa e o valor que apareceu na tela era 50% maior do que o indicado na gôndola. “Os preços dos produtos têm que estar atualizados para não provocar confusão”, desabafou Maria.
ESTADOS E MUNICÍPIOS LIVRES PARA LEGISLAR SOBRE O TEMA
Além do código de defesa do consumidor, os Estados e municípios são livres para legislar sobre o tema. No Rio há duas leis, sendo uma do Estado e a outra do município, mas ambas convergem em seus pontos principais. Elas determinam que o troco seja devolvido em dinheiro. Não pode haver devolução em balas, chicletes ou qualquer outra guloseima.
O Artigo 39 da Lei 8.078 do código de defesa do consumidor proíbe ao fornecedor de condicionar o fornecimento de produto ou serviço, e de recusar atendimento às demandas, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, bem como enviar ou entregar, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço sem que estes tenham sido solicitados.
O inciso quarto é o mais emblemático. Isto porque ele proíbe que o fornecedor se prevaleça da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para empurrar produtos e serviços.
Na prática, estas determinações puderam ser conferidas ontem, quando o Procon municipal promoveu fiscalização em estabelecimentos comerciais do Shopping da Gávea, na Zona Sul do Rio, e autuou 30 comércios.
Além desses, foram punidos os restaurantes La Patasciutta, Uno Restaurante, Don Giorgi, O Árabe da Gávea e IX Bistrô por irregularidades devido a qualidade dos alimentos servidos. A fiscalização recolheu 13kg e 750g de alimentos vencidos e 9kg e 300g de produtos sem a especificação da data de validade. A operação intitulada Ho! Ho! Ho! tem por objetivo vistoriar lojas no Grande Rio no período de Natal.
FONTE: O Dia