Se a operadora do plano de saúde não comprova fato extraordinário que torne o contrato com o cliente oneroso demais, nos termos dos artigos 478 e 479 do Código Civil, a rescisão unilateral do acordo ofende o princípio da boa-fé objetiva. Por consequência, a falta de cobertura dos serviços médicos em meio ao tratamento de doença grave dá ao paciente o direito de ser ressarcido por danos morais.
O entendimento foi firmado pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao aceitar Apelação de uma mulher que teve o pedido de reparação moral indeferido depois de correr o risco de ter seu tratamento de câncer interrompido, por conta do cancelamento abrupto do contrato do plano de saúde. Em reforma à decisão, o colegiado arbitrou em R$ 12 mil a indenização.
O relator do recurso, desembargador Jorge Luiz Lopes do Canto, disse que, no caso do plano de saúde, a parte contratante espera contar com pronto atendimento, juntamente com os seus beneficiários, exatamente no momento em que está mais fragilizada, devido ao seu estado de saúde.
“Assim, a demandada [operadora do plano de saúde] deve ressarcir os danos morais reconhecidos, na forma do artigo 186 do novo Código Civil, cuja incidência decorre da prática de conduta ilícita, a qual se configurou no caso em tela em virtude da rescisão do contrato, atitude abusiva na qual a ré assumiu o risco de causar lesão à parte autora, mesmo de ordem extrapatrimonial, daí ensejando o dever de indenizar”, anotou no acórdão, lavrado na sessão de 15 de março.
O caso
Beneficiária de um plano de saúde empresarial, a autora foi surpreendida com a rescisão contratual dos serviços por parte da Golden Cross, justamente quando se encontrava na fase final do tratamento de um câncer. Ela resolveu, então, ir à Justiça pedir provimento liminar para manter o plano de saúde nos moldes originalmente contratados, além de reparação por danos na esfera moral.
Citada pela 13ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, a operadora argumentou “ilegitimidade ativa”, pois a autora não seria titular do plano. No mérito, disse haver previsão contratual para o desfazimento unilateral do contrato firmado. Após discorrer sobre a legislação que rege a matéria, reafirmando a inexistência de danos de ordem moral, pediu a extinção ou a improcedência da ação.
Parcial procedência
O juiz Alexandre Kreutz escreveu na sentença, proferida no dia 23 de abril de 2014, que a relação entre os litigantes é de consumo, citando os artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). Também derrubou a preliminar de “ilegitimidade ativa”. Como a parte autora é beneficiária do plano, observou, esta possui relação de direito material, podendo pleitear em juízo sem a necessidade da presença da empresa estipulante do plano.
No mérito, entretanto, o julgador deu parcial procedência à demanda, tão somente para confirmar a liminar que determinou a manutenção da autora e seus dependentes no plano originalmente contratado com a Golden Cross. “Embora o contrato firmado entre as partes preveja a possibilidade de rescisão contratual, é entendimento deste juízo que tal rompimento deva ser devidamente fundamentado, com justificativa plausível, o que não ocorreu no caso em tela”, sustentou. A previsão consta nas disposições do artigo 51 do CDC.
O juiz complementou que seria possível a exclusão da cliente desde que a empresa oferecesse para ela as mesmas condições de cobertura e preço em outro plano semelhante. Isso, no entanto, não foi feito.
Por fim, o titular da 13ª Vara Cível entendeu que a cláusula que prevê a rescisão unilateral do contrato por qualquer uma das partes não é abusiva. “Assim, inexistindo ilegalidade stricto sensu praticada pela requerida, resta ausente um dos requisitos da responsabilidade civil, desautorizando o arbitramento de indenização por danos morais. Ainda, a situação exposta não é capaz, por si só, de gerar dano grave à personalidade da parte, a ponto de exigir indenização”, justificou, fulminando a pretensão da autora.
Fonte: Conjur