Peterson buscava um trabalho voluntário e virou padrinho afetivo de Lucas.
Vendedor recebeu seis meses para dar atenção ao filho em casa.
A vontade do vendedor Peterson Rodrigues dos Santos, 34 anos, de realizar um trabalho voluntário o transformou em pai. Morador de Gravataí, na Região Metropolitana de Porto Alegre, ele queria poder ajudar o próximo de alguma maneira. Pesquisando na internet, o vendedor de uma livraria na capital gaúcha descobriu um programa de apadrinhamento afetivo promovido por uma organização não-governamental (ONG).
Esse foi o primeiro passo para Peterson virar pai. E mãe. Solteiro e homossexual, ele venceu os entraves burocráticos para viver com Lucas e acabou contemplado pela empresa onde trabalha com licença de seis meses, o tempo máximo concedido para qualquer mãe.
A paternidade de Peterson teve início em maio de 2013, quando começou a frequentar as oficinas do Instituto Amigos de Lucas, em Porto Alegre. Nelas, ele passou a entender o processo de apadrinhamento de crianças consideradas inadotáveis por serem maiores de cinco anos ou portarem doenças graves. Após oito encontros envolvendo depoimentos, abordagens sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e aconselhamentos sobre adoção, Peterson conheceu Lucas, na época com sete anos.
O encontro ocorreu em agosto daquele ano em uma festa realizada para promover o encontro de possíveis padrinhos com as crianças de abrigos da capital gaúcha. “É quando a magia acontece”, define Peterson. Na reunião, fitas verdes são colocadas nos braços de quem está disponível para apadrinhar e ser apadrinhado. O vendedor lembra que viu Lucas correndo com amigos e que o menino não parava para conversar com ninguém.
“Ele tinha dois balões. Me deu um, disse ‘tio, segura pra mim’ e continuou correndo. Depois, ele me deu um casaco e novamente pediu para eu segurar. Na terceira vez que ele se aproximou, perguntei se ele já tinha dindo. Ele disse ‘já, é tu’”, conta. “Parecia que a gente já se conhecia há mil anos. Foi uma surpresa, eu não esperava passar pelo processo por ser gay. No fim, quem construiu essa barreira fui eu mesmo na minha cabeça, pois foi tudo muito tranquilo”, completa.
Após a magia acontecer, Peterson virou o padrinho de Lucas. Foram 14 meses saindo juntos para passear nos finais de semanas, até dar entrada no pedido de guarda, em outubro de 2014. A solicitação foi aceita cerca de um ano depois.
“Na adoção, o médico que faz o parto é o juiz e a sala de parto é o foro”, brinca o vendedor da Livraria Cultura.
Com a documentação organizada, Peterson solicitou licença-maternidade ao departamento de recursos humanos da livraria. “Eles não sabiam de nada”, diz. “Disseram que eu tinha direito a quatro meses. No entanto, por se tratar de uma empresa cidadã, me deram seis meses de licença, como ocorre com todas as mães.”
A diretora de recursos humanos da Livraria Cultura, Juliana Brandão, relata que o caso era inédito, por se tratar da primeira vez que um pai solteiro solicitava o benefício. Ela afirma que a experiência de Peterson serviu como aprendizado para a empresa. “O pai solteiro tem o mesmo direito, quando adota, a esse período para dar atenção ao filho que acabou de chegar. Estamos fazendo apenas o que é direito dele”, diz Juliana.
Junto à licença, Peterson também solicitou férias. Assim, o prazo para ficar junto de Lucas se estendeu para sete meses, no período denominado de ‘criar o ninho’, que é o momento de adaptação da criança adotada ao novo lar. O vendedor deve retornar ao trabalho no final do mês de abril. “Quero ver cortar o cordão umbilical depois desse tempo todo”, diverte-se o pai.
Sobre a paternidade, ele diz que tudo em sua vida mudou. “Temos muita cumplicidade, e isso é a melhor coisa de ser pai. As prioridades mudam, deixa-se o egoísmo de lado. Faz um ano que não compro peça de roupa para mim, por exemplo”, conta.
A rotina do menino também foi modificada. Hoje com nove anos, ele tem uma referência sempre presente e uma hierarquia a respeitar. “Como padrinho, eu o pegava para passear nos finais de semana e férias. Agora, é definitivo. Quando o Lucas apronta, ele pede desculpas e diz que não estava acostumado a ter um pai”, fala.
Sobre a sua orientação sexual, Peterson diz que a abordagem é tranquila. “Eu disse para ele que amor sempre pode, que não existe amor errado. O errado é ódio e preconceito. E ele me perguntou ‘o que é preconceito?’ e eu expliquei”, diz.
O pai de Lucas adianta que tem planos de adotar outra criança no futuro, se a condição financeira permitir, e que seu filho hoje é sua maior e melhor companhia. “Ele passou dois anos me chamando de dindo e precisou de apenas dois dias para me chamar de pai. Esse amor é algo que não dá para medir”, conclui.
Fonte: G1