À 0h25 de segunda-feira (20/7), em Lorain (Ohio), Paul Pelton tomou um grande susto ao escutar o barulho de um carro batendo em uma casa, em um carro e, finalmente, em uma árvore. Mas ele reagiu rápido. Pegou seu celular e começou a filmar os estragos e os dois adolescentes dentro do carro feridos gravemente. Só que deixou de prestar socorro aos feridos, um deles à beira da morte, ou de usar o telefone para chamar o serviço de emergência local.
Ele abriu a porta traseira e entrou no carro para filmar as vítimas, agonizando, mais de perto. E quando o carro começou a pegar fogo, ele correu para o lado da porta do motorista para filmar o perigo que o adolescente corria de morrer queimado. Mas isso não aconteceu, porque outras pessoas da vizinhança apareceram a tempo e apagaram o fogo.
O motorista Zachary Goodin, de 17 anos, foi levado para o hospital e sobreviveu. Seu amigo Cameron Friend, também de 17 anos, não resistiu aos ferimentos e morreu no hospital. Pelton, que chamou os adolescentes de “idiotas” enquanto gravava as cenas, contatou duas emissoras de TV, tentando vender as imagens da tragédia, de acordo com o Daily Mail, o The Daily Beast e outras publicações.
Ao saber da história, os habitantes de Lorain ficaram indignados e a polícia respondeu com a prisão de Pelton. Ele foi indiciado por invasão de propriedade, pois ele teria “invadido” o carro das vítimas para filmar. E a Polícia poderá processá-lo também por entrar em uma “cena de crime”, também proibido por lei.
No Brasil
Atitudes similares as de Pelton não têm sido raras nos últimos anos. Muitas pessoas que se deparam com acidentes, brigas, pessoas passando mal e até morrendo, preferem captar as imagens a ajudar a vítima. No Brasil, a omissão de socorro é crime previsto pelo artigo 135 do Código Penal, que prevê detenção de um a seis meses, ou multa; sendo que a pena será acrescida de 50% se a omissão resultar em lesão corporal grave, e triplicada se a vítima morrer.
O dispositivo diz que é crime “deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública”.
A legislação brasileira possui diversas ramificações para a omissão de socorro. O tema também é abordado no artigo 97 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003): “Deixar de prestar assistência ao idoso, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, em situação de iminente perigo, ou recusar, retardar ou dificultar sua assistência à saúde, sem justa causa, ou não pedir, nesses casos, o socorro de autoridade pública.
E no artigo 304 do Código Nacional de Trânsito (Lei 9.503/1997): “Deixar o condutor do veículo, na ocasião do acidente, de prestar imediato socorro à vítima, ou, não podendo fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solicitar auxílio da autoridade pública”.
Bom samaritano
A prestação de socorro nos EUA é considerada uma obrigação moral e não exigência da lei, como no Brasil. Porém, se uma prestação de socorro, mesmo que feita por um profissional de saúde, sair errada, a vítima poderá processar quem a auxiliou. E isso tem acontecido com alguma frequência, diz o site All About Car Accidents, uma publicação jurídica sobre acidentes automobilísticos. “Muitas vítimas já processaram pessoas que, bem-intencionadas, tentaram ajudá-las”, diz o site.
Por isso, nos últimos anos, diversos estados americanos se deram conta que prestar socorro a vítimas de acidentes de carro é uma coisa boa para a sociedade. E, por isso, passaram leis, chamadas “Good Samaritan laws”, que se destinam a proteger os “bons samaritanos” contra ações judiciais movidas por vítimas – não para obrigá-las a prestar socorro. Fazer isso ou não ainda é opção de cada um.
Em nome dessa lei, o cinegrafista amador Paul Pelton foi nomeado pelos jornais como o “Pior Samaritano” do país. A “Lei do Bom Samaritano” varia de estado para estado, entre os que a aprovaram. Em alguns estados a lei protege qualquer cidadão que decide prestar ajuda a vítimas.
Em outros, a lei só protege profissionais de saúde que, por seu conhecimento profissional, correm menor risco de complicar ainda mais a condição de saúde das vítimas. Em outros estados, nenhum tipo de “bom samaritano” está isento de processos.
Mesmo no caso de profissionais de saúde há ressalvas. Eles serão protegidos contra ações judiciais se prestarem o socorro gratuitamente, no lugar do acidente, desde que o socorro não resulte em qualquer ato ou omissão que piore a situação da vítima, devido à negligência grosseira ou má conduta.
Ou seja, não é uma proteção completa. No caso do cidadão comum, ele será protegido em alguns estados se acreditar que a vida, a saúde ou a segurança da vítima estará ameaçada ou em perigo, se alguma coisa para ajudar não for feita imediatamente.
Dever de socorrer
Nos países guiados pelo sistema de common law, raramente o “dever de socorrer” (duty to rescue), em qualquer situação de perigo de vida, é formalizado em leis de responsabilidade civil ou criminal. Mas há duas exceções comuns:
1. O dever de socorrer existe quando uma pessoa cria uma situação de perigo para outra pessoa. Nesse caso, deve socorrê-la, mesmo que o incidente tenha sido criado involuntariamente – ou não por negligência.
2. Tal dever também existe se houver um “relacionamento especial!” com a pessoa em perigo. Por exemplo:
– Os pais tem o dever de socorrer seus filhos menores. O dever se aplica a pessoas que agem como “pais in loco”, como em escolas ou em serviço de babá.
– Serviços de transporte comuns devem socorrer os passageiros.
– O empregador tem o dever de socorrer o empregado, dentro de uma teoria de contrato implícito.
– Em alguns jurisdições, proprietários de imóveis devem socorrer e proteger convidados, visitantes ou fregueses contra qualquer perigo previsível na propriedade. Na Califórnia, o dever se refere também a invasores (incluindo ladrões). Por isso se vê placas de perigo em muitos os lugares.
– Cônjuges tem o dever de socorrer um ao outro.
De acordo com a Wikipédia, um levantamento feito em 2012 revelou que leis que obrigam a prestar socorro a vítimas existem nos seguintes países: Albânia, Alemanha, Andorra, Argentina, Bélgica, Brasil, Bulgária, Croácia, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Islândia, Israel, Itália, Noruega, Polônia, Portugal, República Tcheca, Rússia, Sérvia, Suíça e Tunísia.
Fonte: Conjur