Comprar pela internet, realizar transferências de dinheiro ou mesmo compras por débito são operações que há alguns anos já não estão mais associadas necessariamente ao uso de uma conta corrente de banco, com cartões de débito e crédito. O modelo de contas e cartões pré-pagos em reais – de instituições que podem ou não ser bancos – vem se expandindo no País na tentativa de incluir 55 milhões de brasileiros ainda fora do sistema bancário.
Segundo o mercado, os pré-pagos já existem há mais de três anos, mas desde o fim de 2013 quando o Banco Central começou a acompanhar mais de perto a questão, o volume de depósitos e de usuários vem crescendo mais fortemente. Não há dados consolidados do setor, mas na ContaSuper, por exemplo, eram 100 mil contas e 120 mil cartões em janeiro, número estava em 180 mil contas e 238 mil cartões em agosto.
O Zuum possui 290 mil usuários. Na Agillitas, são mais 100 mil pré-pagos em reais ativos entre pessoas físicas. A previsão para o ano é que os cartões movimentem R$ 100 milhões na empresa. “A perspectiva de crescimento do segmento está em torno de 30% ao ano”, diz o CEO da Agillitas, Roger Ades.
O aumento dos pré-pagos está associado à facilidade do produto, parecido com o conhecido cartão de viagens (travel money) só que com cargas em reais. Após o fornecimento de dados simples como nome e Cadastro de Pessoa Física (CPF), o consumidor consegue adquirir um cartão em algum emissor ou mesmo em redes de varejos e pontos de recarga de celular, como farmácias e supermercados.
Depois de realizar uma carga, o meio de pagamento já pode ser utilizado como se fosse um cartão de débito. Em alguns casos, como na Zuum e na ContaSuper, a pessoa na verdade abre uma conta pré-paga, por meio da qual pode realizar transferências e pagamentos via celular ou site. Para realizar compras em lojas físicas e online, o usuário acaba ganhando cartões pré-pagos, associados à conta.
Benefícios. Os públicos interessados são diversos. Entre os não-bancarizados, o benefício é a inclusão financeira. A baixa renda passa a ter acesso à compras online mesmo sem ter cartão de crédito e ganha em segurança, pois não precisa andar com o dinheiro no bolso. “Neste mês, estamos também introduzindo a recarga do bilhete único”, diz o vice-presidente da ContaSuper, Luiz Almeida.
Para os endividados, é um meio de controlar as despesas, já que só é possível gastar o saldo que estiver na conta ou no cartão. Se a dívida for em cheque especial, fazendo com que todo o dinheiro que caia na conta bancária seja corroído pelo juro, no pré-pago o consumidor pode separar os recursos para as despesas correntes.
“Para o público A e B, serve como um instrumento de conveniência em compras pela internet, também por controlar melhor o que se gasta”, comenta o presidente de desenvolvimento de negócios da MasterCard, Alexandre Magnani. Em compras online, o mercado considera o pré-pago mais seguro porque se for clonado ou hackeado limita as perdas ao dinheiro que está depositado nele. Na Agillitas, 10% das compras com pré-pago já são pela internet.
Na alta renda e em empresas, o pré-pago serve para pagar funcionários terceirizados e empregados domésticos que não possuem conta bancária, sem a necessidade de ter de emitir cheques ou pagar em dinheiro vivo.
Além disso, pode-se controlar despesas da casa, deixando um cartão carregado com os empregados para as compras no mercado e outras despesas. “Acaba sendo um instrumento no qual a população não-bancarizada se conecta à bancarizada. Mesmo que a pessoa não possua conta bancária recebe salário e faz pagamentos tudo eletronicamente”, afirma o presidente da Zuum, Marcos Etchegoyen.
Custos. Apesar das facilidades que o pré-pago traz para a vida do consumidor e empregador, ainda há barrerias. Uma delas é o custo. Por ser um produto que concorre com os bancos, para realizar saques em caixas eletrônicos as instituições cobram de R$ 2,90 a R$ 7,90.
“A tendência, mesmo em outros países, é começar a expandir os canais de distribuição, fazendo com que o cliente possa fazer saques mesmo fora do ambiente financeiro”, diz o diretor de produtos pré- pagos da Visa para América Latina e Caribe, José Coronel. Neste sentido, a ideia barra na segurança. “O medo do varejista é de ser assaltado”, afirma Ades. Na Agillitas, 40% dos recursos são sacados. Para cobrir a despesa, alguns empregadores depositam um dinheiro extra que cobre o custo do saque. Além do saque, há os mais diferentes custos, de acordo com o emissor. No Zuum, cobra-se R$ 2,90 no saque, R$ 2,90 no pagamento de contas e R$ 0,90 na transferência de dinheiro para outros bancos. A emissão do cartão custa R$ 14,90, mas não há mensalidade ou anuidade.
Já na ContaSuper, não é cobrada a emissão, mas há mensalidade básica de R$ 4,90 ou a de R$ 9,90 na qual o usuário ganha uma recarga de R$ 10 no celular pré-pago, compensando se você utiliza esse tipo de serviço. O saque custa R$ 7,90 e transferências para contas de bancos, R$ 5,90. Se forem entre contas da empresa, como de um empregador para um empregado, não há cobrança. Na Agillitas, o saque custa R$ 7, a mensalidade R$ 5 e a recarga R$ 3.
“Desafios de custo há em todo o mundo, mas o inimigo em comum é o dinheiro em espécie, a proposta mais cara para o consumidor”, lembra Coronel. Segundo o diretor da Visa, além do fato de ele poder perder o dinheiro que carrega ou ser roubado, não há benefícios de desconto oferecidos em alguns cartões e acesso às compras online. “Há muitos custos não identificáveis quando se usa o dinheiro em espécie”, afirma. “O produto começou a ser mais divulgado, mas ainda existe um grande passo para evoluir na questão cultural de saber o que é um pré-pago e como ele funciona”, diz Magnani, da MasterCard.
BC ainda estuda uma regra
Em 2013, o Banco Central emitiu uma circular com regras básicas dos pré-pagos, como a identificação do usuário. Para o Sindicato Nacional dos Fiscais do BC, algumas questões deveriam ser consideradas. Os pré-pagos podem, por exemplo, estimular a lavagem de dinheiro e servir a pessoas interessadas em fugir da Justiça. Um pai que paga pensão para a ex-mulher poderia receber pagamentos sem passar pela conta salário. Os depósitos também ficam fora da fiscalização do BC e estão isentos do compulsório cobrado dos bancos. Segundo o presidente do sindicato, Daro Piffer, o BC já estuda uma regulamentação para sanar os problemas. (Colaborou Cley Scholz)
Fonte: Estadão