Costumamos nos preocupar demais com as coisas erradas. A maior ameaça à nossa vida financeira provavelmente não é um ataque on-line que dê informações a ladrões sobre os nossos cartões de crédito -mas como torramos nosso patrimônio com eles.
Alguns pesquisadores já estudaram o que acontece em nossas mentes quando os cartões de crédito estão em nossas carteiras.
Um dos estudos mais conhecidos, de 2001, mostrou que, em certos contextos, as pessoas estavam dispostas a pagar até o dobro pelo mesmo item ao usarem o cartão de crédito em vez de dinheiro. Essa tendência é conhecida como “ágio do cartão de crédito”.
Já um estudo de 2008 envolvia um vale-presente em dólares. Apesar de o vale perder valor instantaneamente ao ser usado, as pessoas se mostravam mais propensas a esbanjarem com o vale-presente do que com dinheiro vivo.
Uma pesquisa de 2011 revelou que, na hora da compra, pessoas prestes a usarem cartões de crédito tendem a se concentrar mais intensamente nas características do produto, ao passo que usuários de dinheiro em espécie prestam mais atenção no preço.
Mas sabe o que é mais surpreendente? Quando fui atrás dos autores das pesquisas, descobri que eles tampouco conseguem se livrar do hábito de usar cartões de crédito. Por que, por exemplo, Joydeep Srivastava, coautor do estudo de 2008, não usa cartão de débito nem dinheiro? “Porque meu cartão de crédito me dá muitas milhas”, disse, fazendo referência ao programa de milhagens oferecido por muitas companhias aéreas.
Isso é exatamente o que as empresas de cartões querem que pensemos. As companhias aéreas lhes vendem milhas de passageiros assíduos ao preço unitário de um ou dois centavos de dólar, e as operadoras de cartões esperam que paguemos uma montanha de juros ou compremos mais do que o planejado.
Zac Bissonnette, autor de um livro inédito sobre os bichos de pelúcia da marca Beanie Baby e a enorme quantidade de dinheiro que as pessoas chegaram a pagar por eles, considera que qualquer uso de cartões de crédito em busca de recompensas é apenas mais uma prova da nossa contínua ilusão a respeito do nosso autocontrole.
Para ele, os consumidores que se dizem imunes a gastar mais com cartões de recompensa do que se usassem cartão de débito ou dinheiro se assemelham às pessoas que negam a mudança climática.
Segundo a First Data, que processa transações, o crescimento dos gastos com cartões de crédito superou o aumento do uso de cartões de débito.
Se mais pagamentos passarem a ser feitos com celular, precisaremos estar ainda mais atentos à maneira pela qual nossos cérebros funcionam ao fazer compras. Afinal de contas, o smartphone está ainda mais distanciado do dinheiro. Pessoas que tiveram experiências negativas com dívidas ou roubo de identidade talvez possam pelo menos se lembrar disso sempre que tirarem o cartão do bolso.
Algo útil seria algum tipo de lembrete físico, um aplicativo que fosse acionado quando sentisse que um pagamento via celular estivesse prestes a acontecer. Uma pequena descarga elétrica seria interessante, apenas para transmitir o mesmo tipo de sensação vívida que costumávamos ter quando entregávamos nosso suado dinheiro vivo.
Nem os pesquisadores conseguem abandonar o hábito de usar cartões de crédito
Fonte: Folha Online