A simples constatação de que determinado banco nega financiamento a quem litiga com outra instituição financeira faz supor a existência da chamada ‘‘lista negra’’, que visa afastar os ‘‘maus pagadores’’ do mercado de crédito. Como tal conduta caracteriza abuso de direito, já que a Constituição assegura a qualquer um demandar em juízo, cabe reparação moral. O entendimento levou a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a confirmar sentença que condenou duas instituições financeiras, solidariamente, a pagar indenização de R$ 18 mil por danos morais a uma consumidora de Caxias do Sul. Ela passou por situação idêntica.
O Banco BMG foi condenado por alimentar o seu sistema com a informação equivocada de que a parte autora ajuizara ação revisional, quando se tratava de outra ação. E a BV Financeira por acessar o cadastro restritivo e negar à consumidora o financiamento de um veículo.
Conforme a sentença, a jurisprudência proíbe a criação, alimentação e administração de ‘‘listas negras’’, se o conteúdo se destinar à restrição de crédito a quem ingressou com ação judicial contra empresa integrante do sistema financeiro. O TJ-RS, no entanto, vem negando as reparações porque o consumidor prejudicado não consegue provar sua existência, muito menos a inclusão de seu nome nela, como exige o artigo 333, inciso I, do atual Código de Processo Civil. Ou seja, não prova o fato constitutivo de seu direito.
Ao julgar o caso, o juiz Daniel Henrique Dummer, da 1ª Vara Cível daquela comarca, conseguiu ‘‘pinçar’’ a tão valiosa prova ao analisar o diálogo entre a vendedora do veículo e a autora, que teve o pedido de financiamento indeferido por ter colocado outro banco na Justiça. Para o juiz, a vendedora estava representando a BV Financeira na conversa com a autora, fazendo supor que a ‘‘lista’’ é do conhecimento dos interlocutores. ‘‘A representante da BV nada questionou e apenas solicitou o número do CPF da cliente, vindo a confirmar que consta da ‘relação de clientes com ação revisional de juros’. Nota-se a prova da existência do cadastro e da inscrição’’, afirmou.
Conforme a sentença, após a confirmação de que a autora ‘‘constava lá’’, a parte ré não impugnou essa prova no decorrer do processo. É que em uma relação consumerista, regida pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), inverte-se o ônus da prova: a obrigação passa a ser do prestador de serviço — no caso, da financeira. ‘‘Diante disso, existe um substrato apto a fazer crer que exista aludida lista de pessoas que ingressaram com ações revisionais, o que faz necessária apenas a prova de que a autora foi inscrita e que essa restrição impediu o negócio mencionado na inicial’’, arrematou. O acórdão que confirmou a sentença foi lavrado na sessão do dia 1º de outubro.
Ação indenizatória
Em abril de 2010, a autora foi a uma revenda de veículos, em Caxias do Sul, para comprar um carro. Como pretendia financiar a compra, consultou o vendedor, que, por sua vez, contatou a BV Financeira. A resposta, entretanto, não foi boa: o banco negou financiamento sob a alegação de que ela havia litigado com o Banco BMG em uma ação revisional sobre juros.
A autora ainda tentou explicar que não se tratava de revisão de encargos contratuais, mas de discussão sobre o pagamento integral do valor contratado. Sentindo-se humilhada por constar na ‘‘lista negra’’, ingressou com ação indenizatória por danos morais contra as duas instituições financeiras, na 1ª Vara Cível da comarca. Pediu que ambas se abstivessem de incluí-la em qualquer cadastro, ou excluí-la.
A BV Financeira alegou não ter recebido qualquer pedido de financiamento. Sustentou que a ação indenizatória é uma ‘‘aventura jurídica’’, pela inexistência de danos e de ato ilícito. Também negou a existência da chamada ‘‘lista negra’’.
O Banco BMG, por sua vez, suscitou ilegitimidade passiva, isto é, não seria parte legítima para responder por algo neste processo. No mérito, alegou ausência de prova da existência de dano, o que não daria direito à ação indenizatória.
Fonte: Conjur