Justiça obriga mãe macrobiótica a dar carne para filho

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Na Itália , cada vez mais a alimentação dos filhos é caso de Justiça. Uma recente decisão do Tribunal de Bergamo, no norte do país, obrigando uma mãe a modificar a dieta macrobiótica do filho, acendeu o debate sobre o controle de regimes alimentares de filhos de pais separados.

De acordo com o jornal L’Eco di Bergamo, a ação foi movida pelo pai de uma criança de 12 anos contra a ex-mulher, adepta da dieta macrobiótica (alimentação rica em cereais e legumes). Com a decisão, a mãe deve incluir carne na refeição do filho ao menos uma vez por semana. Já o pai se compromete a não dar carne mais de duas vezes nos finais de semana em que estiver com a criança.

“Cada vez mais, em casos de separação e divórcio, os filhos são o centro de polêmicas e acabam sendo instrumentalizados pelos pais. A questão alimentar, que é particularmente delicada, é uma delas. É um fenômeno que tem ocorrido com maior frequência”, diz à BBC Brasil o advogado Carlo Prisco, especialista em questões relacionadas à alimentação vegetariana (que exclui carne) e vegana (priva de qualquer substância de origem animal).

Apesar de ser uma ordem judiciária, a decisão de Bergamo não é tecnicamente uma sentença, é um acordo entre as partes, orientado pelo juiz. “Quando os pais separados divergem sobre o regime alimentar dos filhos, na maioria das vezes os vegetarianos ou veganos acabam cedendo à pressão para evitar maiores conflitos”, afirma o advogado.

Já o caso contrário é mais raro, segundo o advogado. “É difícil ver alguém entrar na Justiça para garantir a alimentação vegana aos filhos. A maioria se sente desencorajada.”

Prisco vê como preconceituosa a posição de muitos médicos e juízes em relação à alimentação vegetariana ou vegana. “A maioria tende a deduzir que a alimentação onívora (que inclui indiferentemente substâncias animais ou vegetais) seja a mais saudável por conter mais alimentos. Acreditam, erroneamente, que o melhor genitor é o que oferece mais comida. Além disso, o simples fato de se declarar onívora ou vegana, não significa que a pessoa se nutra, efetivamente, de forma correta e equilibrada.”

Mas as disputas relacionadas a regimes alimentares não acontecem apenas em família. Contratado por um casal vegano, o advogado está acompanhando o caso de uma criança de quase dois anos de idade cujo pediatra, após constatar que o peso e a altura estavam pouco abaixo da média e que o paciente seguia a dieta dos pais, advertiu os serviços de assistência social.

A perícia de um segundo médico, contratado pela família, certificou que o menor não apresenta problemas de desenvolvimento. “Muitas vezes o estado de saúde da criança é determinado apenas com base na rapidez do crescimento. Outros fatores, como exames de sangue, ausência de patologias e o fato de que não seja obesa não são levados em consideração”, afirma Prisco.

Ele também move uma ação no Tribunal de Bolzano contra um jardim de infância que, apesar de oferecer um cardápio alternativo à dieta onívora, como determina o Ministério da Educação, exige que cada mãe que optar pela dieta vegetariana para o seu filho apresente regularmente certificados médicos da criança. “Acreditamos que se trate de uma discriminação. A previsão é de que a sentença seja divulgada no próximos dias. Se vencermos a ação, outros pais poderão basear-se nesta decisão.”

Mudanças culturais

Para Annamaria Bernardini de Pace, uma das advogadas de Direito de Família mais conhecidas da Itália, a alimentação dos filhos é e sempre foi motivo de briga entre pais separados ou divorciados. “Do mesmo modo como discutem para decidir entre escola pública ou particular, curso de inglês ou de alemão, férias na praia ou em montanha, se frequentar ou não as aulas de religião, eles questionam muito a dieta dos filhos. Há quem tema a obesidade e acuse o outro genitor por deixar os filhos comerem demais, há quem se preocupe que as filhas façam regime quando estão com a mãe e possam tornar-se anoréxicas”, disse à BBC Brasil.

A decisão do Tribunal de Bergamo, segundo a advogada, demonstra que problemas deste tipo existem. “A dieta normal é a onívora. As outras formas de alimentação, como vegetariana, macrobiótica, são escolhas minoritárias e nem sempre são aceitas pelo outro genitor”. “As pessoas devem ter a liberdade de escolha, mas quando os pais não conseguem entrar em acordo sobre a alimentação dos filhos menores é o juiz quem deve intervir, baseando-se no parecer de médicos, psicólogos ou outros especialistas”, afirma. “Não existe um preconceito contra quem não segue a dieta normal”, diz a advogada. “Até porque muitos juízes são vegetarianos.”

Fonte: Terra