A abordagem tradicionalmente utilizada para o enfrentamento de desafios sociais vem sendo alterada sensivelmente. As fórmulas que envolvem a articulação de esforços entre governo, filantropia e ONGs estão sendo redesenhadas e passam a abarcar o universo empresarial de maneira mais consistente.
Modelos inusitados e experiências originais surgem para encarar os novos (e também os não tão novos) desafios globais. Tem chamado atenção, nesse sentido, a escalada de atividades privadas para auxiliar no enfrentamento de problemas sociais e ambientais, e que começam a ganhar força também no Brasil.
Empresas “tradicionais” passam a considerar não apenas a lucratividade, mas também o impacto de suas atividades, aproximando o “fazer bem” (para os acionistas) do “fazer o bem” (para a sociedade). Surgem mais negócios que combinam retornos financeiros e sociais, fazendo das soluções de mercado um meio de promover transformação social. Novas plataformas de financiamento aparecem, por exemplo, fundos especializados em investimentos de impacto e títulos de impacto social (social impact bonds – SIB).
As empresas, na maioria dos casos, geram mais impactos positivos para a sociedade do que negativos. O problema não está no modelo, mas numa visão míope e curtoprazista, que, felizmente, vem sendo modificada para levar em conta os limites do planeta e o bem estar de seus habitantes.
Michael Porter, referência mundial em estratégia competitiva, diz ser preciso mudar a forma como vemos os negócios e também como eles mesmos se veem, e acredita que isso já vem ocorrendo.
“Encaramos os negócios como o problema em muitos dos desafios sociais que enfrentamos. Os negócios não são vistos como a solução. (…) O senso comum é de que as empresas geram lucro causando problemas sociais. (…) Isso é correto em muitos dos casos, existem sim diversos maus agentes por aí. (…) Mas, se conseguirmos que os negócios se enxerguem de forma diferente, e que nós também enxerguemos os negócios diferentemente, podemos mudar o mundo.”
A percepção de que há um movimento de mudança de paradigmas é reforçada por estudo recente da Deloitte (Millennal Innovation Survey 2013) com 5 mil futuros líderes empresariais em 18 países. Os entrevistados classificaram como sendo objetivo principal das empresas “melhorar a sociedade” e que os negócios devem impactá-la positivamente.
Não se trata de negar por completo os modelos convencionais atuais: 1º setor (governos), 2º setor (empresas) e 3º setor (organizações da sociedade civil). Ao contrário, a ideia tem sido articular o conhecimento acumulado nos diferentes setores da economia para criar novas soluções para problemas complexos e transversais da sociedade.
É preciso migrar de um mundo organizado em setores isolados, com linguagem e ecossistema próprios, para uma “economia convergente” na qual haja sinergia entre os setores, diz Filipe Santos do INSEAD-França. E negócios que congregam características típicas do 2º setor com finalidades de interesse público, que são peculiares tanto no 1º quanto no 3º setor, têm sido vistos como o motor desse processo.
O Brasil é considerado terra fértil para o desenvolvimento desses negócios, não só porque o país enfrenta diversos problemas socioambientais, mas também pelo perfil solidário, criativo e empreendedor de grande parte da população.
A área da saúde é listada como promissora. O acesso a serviços de saúde de qualidade é uma grande demanda, já que 70% da população tem o setor público como única opção. O Sistema Único de Saúde (SUS) é referência em política pública, no entanto ainda apresenta deficiências. Nesse cenário surge, por exemplo, a experiência do Dr. Consulta, clínica que oferece atendimento rápido, de qualidade e com exames e consultas a preços acessíveis à população de baixa renda que não tem plano privado de saúde. Criada em 2011, a empresa faz hoje atendimentos em 15 especialidades, exames laboratoriais e de imagem e 5 mil pacientes atendidos por mês em dois endereços na capital paulista. Em maio deste ano, o fundo de investimentos de impacto LGT Venture Philanthropy inseriu o Dr. Consultaem sua carteira e a expectativa é de que até 2016 sejam criadas 18 novas clínicas e que em 2017 alcance a marca de 200 mil pacientes. É um negócio viável que gera lucro, tem escalabilidade, com salários de mercado e que ao mesmo tempo proporciona melhoria social.
Milton Friedman, prêmio Nobel de Economia em 1976, dizia que “the business of business is business” e que o papel da empresa é tão somente fazer tanto dinheiro quanto possível para os acionistas. Esse entendimento vem sofrendo alterações para acompanhar os novos anseios da sociedade. E os negócios “com impacto social” que despontam mundo a fora revolucionando as formas de abordar problemas em áreas como educação, saúde, habitação, meio ambiente, pobreza e justiça social vêm evidenciar esse movimento de mudança.
Fonte: Conjur